O rapaz desceu desembestado a Rua Ceará na esperança de pegar a rabeira do Beiço de Wando, que passara meia hora antes
No meio da multidão, já em frente ao Colégio Arnaldo, um senhor com a camisa amarela da Seleção batucava numa frigideira, inventando um tamborim de última hora. Achei a cena ótima, era a verdadeira cozinha do samba em ação. Mas nem tudo era purpurina. A mulher dele, com uma espada de pirata na mão, recebeu minha pergunta – E como é que a senhora vai cozinhar hoje? – com um certo espanto. “Ora, meu filho, lá em casa, a gente almoça fora. Eu não faço comida!”, respondeu na lata. Sem juízo, e quem tem no carnaval só pode ser louco, quis saber para o quê servia aquela espada. O olhar me fulminou e antes de levar um carão, achei melhor baixar em outra freguesia.
Animação não falta no Beiço que desfila pela segunda vez, agora com mais de 300 integrantes na bateria, e solta uma fumaça amarela para saudar os foliões
Bloco sem Wando seria impossível, por isso o aposentado Leonardo dos Santos Fonseca encarnou o cantor com a maior competência. Colocou uma máscara com o beição característico, uma calcinha no pescoço e recebeu um beijo da mulher, Sílvia Ester Meireles Vieira, funcionária pública que aproveitou o domingo para cantar, dançar e, claro, paparicar o maridão. “Sair neste bloco é muita emoção. É fogo e paixão”, disse a mulher brincando com o título do maior sucesso do artista. O bloco, além das canções de Wando, tem um hino bem próprio que diz: “Foi num verão/que um beiço confortou meu coração” e traz para o asfalto melodias de cunho brega.
Baile total
Folião que é folião precisa ter pique, fogo no corpo e paixão pela farra de Momo. Depois da homenagem a Wando, chegou a hora de reverenciar outros artistas mineiros, desta vez no Bairro Santa Tereza, tradicional reduto da boemia de BH
Então veio a chuva do meio-dia e deu uma refrescada geral na galera. Uns se protegeram nas marquises, outros preferiram enfrentar o aguaceiro, como aconteceu com um bloquinho meio mambembe que cruzou a Avenida Afonso Pena por volta das 11h30. Verdadeiros heróis da resistência que não fogem da batuta. Bastava um tempo para voltar à ribalta.
Pensa que acabou? Pois tem mais. Passada a tempestade, eis que surge na Rua Aimorés, no Bairro Funcionários, o bloco Todo mundo cabe no mundo, de caráter inclusivo e criado pelo artista plástico Marcelo Xavier. Passava diante dos meus olhos o verdadeiro espírito do carnaval: índios, ciganas, sereias, zebras, rapazes de bailarina, mulheres vestidas de policial e o principal: alegria borbulhante, rostos felizes e a certeza de que hoje tem mais. Evoé, Momo!