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Manjericão e I Wanna Love You não deixam o samba morrer em BH

Quarta-feira de cinzas foi tingida de verde por blocos que misturam ritmos e reivindicações sociais

Fundado em 2011, Manjericão desfilou pela primeira vez de manhã, arrastando cerca de mil foliões - Foto: Edésio Ferreira/EM/D.A PressA quarta-feira era de cinzas, mas o verde tomou conta das ruas em Belo Horizonte. Por todos os lados, o perfume do manjericão, adereço usado por quem quis festejar, mesmo quando o calendário religioso sugeria descanso e reflexão. Era o fim do carnaval para quem é de evento, mas, para a turma dos blocos de rua, era dia de coroar o que eles já fazem há pelo menos seis anos: ocupar o espaço público, com alegria e irreverência. Com a toada de festejar e apresentar questões políticas, dois dos chamados blocos “canábicos”, que defendem a legalização da maconha, desfilaram ontem . De manhã, o Manjericão saiu no Bairro da Serra, na Região Centro-Sul, e, à tarde, o I Wanna Love You, na Rua Cabrobó, no Bairro Sagrada Família, Região Leste.

 

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Sem dono, a festa era para todos. Bastava chegar. E pelo menos 1 mil pessoas acompanharam a bateria do Manjericão, que tocou de tudo no trajeto entre a portaria do Minas Tênis Clube, na Rua Trifana, até o Bar do Zé Pretinho, na Rua Herval, na entrada do Aglomerado da Serra. “É o nosso quinto ano. Saímos pela primeira vez em Santa Tereza com o propósito de perfumar as ruas”, lembra a idealizadora Janaína Macruz, de 31. Antes de vir para a folia, ela deu um pulinho no sacolão para comprar manjericão para quem quisesse, mas não teve tempo de comprar.

A maior parte dos foliões emendava a folia que começou na quinta-feira da semana passada com a apresentação do bloco Chama o Síndico, passou pelo Então, Brilha, na Rua Guaicurus, caminhou pela Pedreira Prado Lopes com o Pena de Pavão de Krishna, celebrou com os Filhos de Tcha Tcha, na Ocupação Resiste Isidoro. É o caso da professora da Escola de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais Natacha Rena. “O nosso diferencial em relação ao Brasil é ser um carnaval de luta. Por mais que o estado e o mercado tentem controlar, isso não vai mudar.”
Quarta-feira de cinzas não esfriou folia, que perfumou o Bairro Serra com aroma do manjericão - Foto: Edésio Ferreira/EM/D.A PressFantasias verdes, manjericão atrás das orelhas, o que lembrava os ramos de carvalho e oliveiras das coroas gregas. Se em carnavais passados, o coração vermelho era o decalque da moda, neste ano, popularizaram adesivos um pouco mais apimentados. No rosto, um sutil pedido de descriminalização da maconha ou a irreverência de brincar com o símbolo fálico. O artista plástico paulista Monge Júnior, articulador da Casa Amarela e do Parque Augusta, veio para a festa belo-horizontina. “Os movimentos sociais estão muito engajados na festa. São Paulo está se apropriando dessa capacidade de festejar com luta. Minas me encanta. É um povo que consegue resistir, dançando”, afirmou.

IMAGINAÇÃO

Em outra região, a folia foi ao som de Bob Marley no I wanna love you. O pó colorido jogado nos foliões deu um brilho à festa e o que que não faltou foi imaginação. A bióloga Camila Rabelo, de 31 anos, foi fantasiada de “índia filho do boto cor de rosa” e carregou seus três “filhos”, dois bonecos, que ela chama de Benedito e Benedita, e uma macaquinha de pelúcia, a Luiza, agarrada ao seu braço. “Acompanho o bloco desde que ele nasceu e sempre carrego a minha família”, brinca a bióloga, que mora no Bairro Floresta, também na Região Leste.

As mãos do administrador Flávio Meira, de 29, estão cheias de calos de tanto tocar na Bartucada de Diamantina, cidade histórica do Alto Jequitinhonha, onde passou os quatro dias de carnaval. Ele conta que o pensamento dele estava o tempo todo no I Wanna Love You e que saiu correndo depois da apresentação de terça-feira para voltar para a capital. “Tenho 25 anos de carnaval em Diamantina, mas a folia de BH está surpreendendo muita gente e eu não queria ficar de fora, mesmo que fosse na quarta-feira de cinza. O I Wanna Love You é outra vibe”, disse o administrador.
I Wanna Love You enfrentou chuva, mas não desistiu do reggae carnavalizado - Foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A PressO publicitário Alexandre Monteiro, de 28, foi fantasiado de sereia e ficou com o corpo dourado pelo pó colorido que jogaram. “O carnaval de rua de BH melhora a cada ano. Em todo lugar que você vai, encontra diversão”, comentou. Para a vendedora Maria Clara Gusmão Martins, o tipo de música é fantástico. “O pó colorido que eles jogam deixa tudo mais bonito.” A apresentação do bloco começou às 16h20, ou 4:20, que é um símbolo da maconha que remete ao ano de 1971 usado por um grupo de estudantes do ensino médio da Califórnia (EUA). Menos de uma hora depois, uma chuva forte desanimou os foliões, que se protegeram numa quadra coberta ao lado.

Orgulho e olho no futuro
Não há quem desfilou pelas ruas de Belo Horizonte que não ficou orgulhoso da maneira como a cidade brincou o carnaval, mas todo mundo se pergunta como será a festa de agora para frente. O diretor da Associação Comercial de Minas Gerais (ACMinas) José Osvaldo Guimarães Lasmar defendeu que a festa entre para a programação oficial do estado, em ação conjunta da Secretaria de Estado do Turismo e da Belotur. No entanto, ele considera que a folia não pode perder o caráter de vanguarda como foi demonstrado no Bloco do Manjericão, pelo qual ele se encantou na manhã de ontem. Ele encontrou os foliões por acaso, mas gostou tanto que entrou na festa. “É um carnaval politizado e descontraído”, avaliou.

Para a professora da Escola de Arquitetura da UFMG Natacha Rena, o carnaval de BH sempre terá espaço para todos: os grupos com uma proposta mais política de ocupação do espaço público e para quem quer apenas festejar. No entanto, ela considera que o poder público deve garantir a ocupação democrática desses espaços . Ela se queixou da maneira como as fontes das praças funcionaram . De acordo com ela, na Savassi e na Praça da Liberdade, regiões mais nobres, as fontes ficaram ligadas, ao contrário da Praça Raul Soares e da Praça da Estação, locais por excelência dos blocos que fazem uma discussão sobre a ocupação da cidade.
Ritmo jamaicano esquentou multidão no Sagrada Família, um dia após feriado de carnaval - Foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A PressA festa passou no teste de público na avaliação do consultor de marketing digital Bruno Borges, de 35. “É um momento de definição. A festa começou de forma bem legal. Os blocos cresceram. Para o futuro, temos que saber qual é a vocação. A meu ver, tem espaço para todos: bloco, trio elétrico e palcos. Manter a característica de respeito à diversidade é, na opinião do geógrafo Itamar Lucas, o diferencial do carnaval belo-horizontino. “O que vimos foi um carnaval da aceitação, sem homofobia nas ruas. A festa foi muito harmoniosa”, pontuou o geógrafo Itamar Lucas, de 33.


O técnico em meio ambiente Thiago Lopes considera que o público foi ideal. Integrante do coletivo Roots Ativa, ele aproveitou a festa para arrecadar recursos com a venda de sanduíches veganos para projeto social que desenvolve no Aglomerado da Serra. “Foi interessante para gente que é autônomo. Foi uma festa muito agradável. O crescimento desenfreado sempre traz o caos”, avaliou. Ele vendeu por dia uma média de 100 sanduíches a R$7.

Há consenso entre os foliões de que a prefeitura deve oferecer melhor infraestrutura, principalmente banheiros químicos. “ Eram poucos”, reclamou o a analistas de sistemas Eliezer Rodrigues, de 25. Para a bióloga Camila Rabelo, de 31, o folião também tem muito o que aprender.

 

“O pessoal não entende o que é carnaval de rua. É um tipo de festa que não fazia parte da cultura de BH e os foliões devem ter mais educação, como não sujar as ruas e não entrar no meio da bateria. Os ambulantes também devem ter um espaço próprio para eles. Eles não devem ficar circulando no meio da festa com caixas e outras coisas. Mas, no quesito alegria, a nota é 10”, avalia a bióloga, que considerou a festa muita tranquila.

O dono do tradicional Café com Letras, na Savassi, Bruno Golgher, diz que é importante o ressarcimento dos danos cometidos. Ontem, ao voltar a trabalhar, o quadro negro usado para escrever o cardápio havia sido arrancado. Um corrimão de metal foi retorcido e o canteiro de plantas pisoteado. “Tive que fechar as portas no sábado por causa de um baile funk em frente. Não era um evento organizado. Uma pessoa simplesmente parou um carro e colocou um som na maior altura.”