Tudo começa com uma oração. “Mas tem que ser para o santo certo, senão desanda”, alerta a baiana da ala dos agbês, instrumento feito com cabaça e contas. Para garantir, pedi para todos os santos da Bahia, pois tocar na bateria do bloco mais aguardado do carnaval de BH, o Baianas Ozadas, requer fé, e muita, muita disposição. Folia tem sede de música, e não dá para fazer feio diante de um público de 100 mil foliões. O jeito é vencer o amadorismo e prestar atenção nos comandos regente Peu Cardoso, a baiana simpática que fica em cima do carro de som. Sorte que eu, jornalista tocadora de ganzá (uma espécie de chocalho), não sou a única inexperiente. Somos 300 pessoas – arquitetos, dentistas, advogados, estudantes, aposentados, e até músicos profissionais – tentando fazer jus à canção e mostrar que “a coisa mais linda de se ver é o Ilê Aiyê”.
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A emoção toma conta da turma, que toca o surdo, balança o ganzá, sacode o agbê, acelera no repinique e, de repente, se encanta com o canto da cidade inteira envolvendo a bateria. Daniela Mercury está coberta de razão: “Eu vou andando a pé pela cidade bonita/O toque do afoxé e a força de onde vem/Ninguém explica, ela é bonita”. Mas estar um bloco que não aceita cordão nem abadá é também saber a hora de parar de tocar para conseguir andar, é implorar para o folião arredar um pouquinho e pedir para a turma cantar mais alto a música na versão de BH: “E canta, canta Salvador, canta, canta/Canta, meu amor, canta, canta/Olodum do Belô”.
A bateria cheia de axé do Baianas Ozadas aceita de tudo: homem, mulher, criança, idoso. O único requisito é ser solidário. Pelas filas de instrumento, compartilha-se água, energético, açaí com guaraná, cerveja, catuaba selvagem. As bebidas, compradas pelos organizadores, vão passando de mão em mão. E haja hidratação. Desde a concentração, às 11h, na Praça da Liberdade, até a chegada na Praça da Estação, às 17h30, ninguém para nenhum minuto, nem debaixo de temporal. Quem é da bateria não tem direito de sentir fome nem de ir ao banheiro.
Mas, para a falar a verdade, não dá tempo de pensar nisso. Ao chegar à Avenida Afonso Pena e se espantar com a multidão de gente na ladeira da Avenida João Pinheiro, a vontade é só de agradecer a cada um por estar ali curtindo a folia e fazendo história. “Hoje sou feliz e canto/Só por causa de você/Hoje sou feliz, feliz e canto/Só porque amo, amor, você”.
Virou febre pelas redes sociais
Não fosse a chuva, os 100 mil foliões que fizeram história ontem em Belo Horizonte teriam seguido noite adentro na Praça da Estação. Antes do temporal, porém, um mar de gente como nunca se viu em carnavais da cidade. Desde a Praça da Liberdade, quando o caminhão de som, enfim, ganhou a Avenida João Pinheiro, a aglomeração não parava de crescer. Dobrou em menos de duas horas – segundo as estimativas da PM. Pelas redes sociais nos aparelhos celulares os convites se multiplicavam pela beleza da festa, dos meninos e das meninas no arrastão do axé noventista do bloco.
Os amigos Lúcio e Breno, do Bairro Sion, na Região Centro-Sul, criaram grupo no Whatsapp para não perder o movimento de nenhum dos melhores blocos de BH. Já são mais de 50 amigos e familiares conectados com o que de “mais legal tá pegando”. É a segunda vez que Breno fica na cidade no carnaval. Antes, o programa era Cabo Frio, no Rio de Janeiro. “Tá melhor ainda que no ano passado. Ontem, a gente foi ao Alcova e os caras são doidos demais. O melhor até agora. O de hoje também é bom”, avalia o estudante de direito. Para Lúcio, também aluno de direito, o Baianas é o bloco mais animado. “Porque é música da Bahia”, justifica. Mas o que ele quer é ver gente na rua. “Velho, sei lá… é bom demais ver tanta gente fazendo carnaval. Nem importa a música. A galera quer é se divertir”, diz.
Para o Marcelo, não fosse o carro ter ficado preso na Avenida João Pinheiro, estaria tudo bom demais. “Nas faixas de aviso estão falando para não estacionar depois das 18h. Parei o carro cedo e aconteceu isso…”, aponta os arranhões na lataria do veículo. Ele não foi o único.
Selma Lima, de 27, vem acompanhando vários blocos desde os ensaios. Estava no Barro Preto e soube pela amiga, Cristina, que o Baianas estava “bombando”. “Subi pra fazer companhia pra ela. Senão, ela ia se perder aqui. Ela não tem juízo”, diverte-se. Não demorou para que as duas se juntassem a outros amigos vindos do Barro Preto, de latinhas na mão.
UM OU OUTRO Diego Parreira estava em dúvida. Não sabia se ia para o Corte Devassa, na Rua Sapucaí, no Bairro Floresta, ou se seguia o Baianas até a Praça da Estação. Por fim, os colegas convenceram-no a ficar. Quando o bloco dobrou a Rua da Bahia na contramão, o céu já estava pronto para desaguar. A multidão ainda tomava conta da Avenida Afonso Pena. Sob as águas, parte dos foliões buscou as marquises. Bares e lanchonetes ficaram lotados e o público começou a se dispersar, ainda que o entorno do carro de som – num raio de mais de quilômetro – se mantivesse tomado.
Milhares não deram a mínima para a chuva. Mesmo depois do encerramento do bloco, ainda havia muita gente dançando e cantando na Praça da Estação. Mais um dia para ficar na história da cidade. (Jefferson da Fonseca Coutinho)
EU, FOLIÃO
Sidney Coutinho, aposentada
A bateria do Baianas Ozadas ainda nem havia se posicionado e lá estava a desenhista aposentada Sidney Coutinho. Cadeirante, ela não perde o bonde do carnaval de Belo Horizonte. “Está todo mundo abrindo caminho. Estou adorando”, festeja. A foliã, além de esbanjar ousadia no bloco mais populoso deste 2015, marcou presença na apresentação de Aline Calixto e no Moreré, na quinta-feira passada.