Gigantismo do Carnaval de BH exige mais estrutura e planejamento
Projetado como o maior de todos os tempos, Carnaval de BH em 2023 mostra que é preciso investimento e profissionalização nos blocos e na gestão pública
Leandro Couri /EM/D.A Press
Bernardo Estillac, Clara Mariz, Isabela Bernardes, Maicon Costa, Mariana Costa
20/02/2023 20:45
O maior de todos os tempos. Após três dias, é possível constatar que o Carnaval de Belo Horizonte em 2023 é realmente uma folia gigantesca. Seja no número de profissionais destacados para a segurança, limpeza e trânsito; na estrutura empregada pelos blocos; ou, claro, pelos milhões de foliões que lotam as ruas ao longo do evento, a cidade vai lidando com a alegria da consolidação da festa na capital mineira e também sentindo as dores de um crescimento expressivo e acelerado.
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Por trás de toda a irreverência e descontração, a organização do carnaval exige dedicação e trabalho sério de quem faz a festa acontecer. Ativo na folia belo-horizontina há 15 anos, o bloco Unidos do Samba Queixinho, que desfilou no domingo (19/2), fez parte do reflorescimento da festa de rua na capital mineira e viu as proporções do evento explodirem rapidamente nos últimos anos.
O mestre da bateria do Unidos do Samba Queixinho, Gustavo Caetano, destaca que um dos objetivos de alguns dos blocos da capital é manter a organização ativa durante todo o ano. Membro desde a fundação do cortejo, ele também reforça que é preciso que a festa tenha apoio de patrocinadores para oferecer o melhor espetáculo aos foliões.
“O Carnaval de BH cresceu muito rápido até chegar ao tamanho que está agora. Claro que a gente acha maravilhoso, quer que cresça ainda mais, saia só desses quatro dias e funcione o ano todo. Você cria uma cadeia produtiva, as pessoas podem viver do carnaval. Um dos aprendizados que tiramos esse ano é que os custos de produção aumentaram muito e, ao mesmo tempo, os patrocinadores deram uma recuada. A conta não está fechando para os blocos. É importante que o mercado de carnaval comece realmente a investir na festa”, comenta.
Caetano ressalta que empresas de turismo, redes de hotéis e fabricantes de bebidas, por exemplo, têm lucros astronômicos durante a folia e seria interessante que elas investissem nos responsáveis por trazer tanta gente às ruas. A qualidade do espetáculo é uma das garantias de ter sempre a festa cheia e com pessoas dispostas a voltar.
Polly Paixão, produtora do Baianas Ozadas, um dos campeões de público na capital, corrobora a visão de Caetano. Ela conta que o crescimento do bloco contou com a participação de patrocinadores e associa o apoio financeiro à boa reputação do Carnaval de Belo Horizonte.
"O processo de profissionalização do Baianas começou em 2017, quando a gente percebeu que o Baianas deixou de ser um bloquinho e virou um grande bloco que arrastava multidões. Foi quando fizemos uma parceria com a Ambev e trouxemos o maior trio elétrico que o carnaval já tinha visto, que é o ‘Titã’. Ele está aqui com a gente até hoje e, de lá pra cá, viemos fazendo algumas melhorias que foram necessárias para atender o nosso grande público. Belo Horizonte virou uma das principais cidades de carnaval do país e nós precisamos cuidar para dar esse título maravilhoso para cidade”, conta.
Nesta segunda-feira (20/2), o Baianas Ozadas teve dificuldades para iniciar o desfile na Avenida Afonso Pena. Problemas técnicos no trio elétrico atrasaram o cortejo em cerca de duas horas e geraram reclamação do público. Ainda assim, a organização informou ter reunido 350 mil foliões no Centro de BH, segundo números da PM.
Pequenos percalços são comuns e aconteceram em todos os dias do carnaval até aqui. No entanto, eles mostram como a preparação dos blocos exige cada vez mais profissionalismo de quem organiza os cortejos. Foi o caso da Corte Devassa, que desfilou na segunda-feira no Bairro Floresta, Região Leste da capital. O bloco é formado por pessoas do teatro e artes cênicas e levou cerca de 10 mil pessoas às ruas. Neste ano, embora a essência do grupo seja a mesma, com um carnaval tradicional, com carros de som e bateria a pé, a organização garante que o pós-pandemia trouxe novidades.
“Sempre tivemos esses carros de som e a bateria é um dos movimentos que fizemos de recuperação. A Corte tem bateria aberta, todos podem chegar e tocar, fazemos um ensaio coletivo antes do cortejo e já puxamos o desfile. Mas este ano teve aumento de pessoas tocando. Agora estamos começando a ter outros formatos da Corte Devassa, com apresentações do grupo em eventos privados, inclusive, essa é a nossa forma de financiamento, pois não temos apoio em editais”, diz a organizadore Igui Leal.
Com bandeiras a favor do respeito e liberdade de todos os corpos, a Corte Devassa levou alegria e luta para a rua, assim como o Bloco Garotas Solteiras. Neste ano, o desfile lotou a Avenida Brasil, no Bairro Funcionários, Região Centro-Sul da capital. Diferente de outros blocos, o Garotas recebeu apoio privado e pelo edital da PBH, o que garantiu melhorias para o desfile, segundo a produtora Laura Fonseca de Castro.
“Esse ano a gente teve uma organização mais estendida, começamos as oficinas de bateria no ano passado. Fizemos cadastro de apoio e estamos fazendo um processo todo acompanhado pelas instituições públicas. Também participamos de várias reuniões com a Prefeitura, com os bombeiros e PM e, além disso, temos um apoio muito importante que a Caipi Beats ofereceu. Com isso, estamos conseguindo oferecer uma infraestrutura um pouco melhor para nossa bateria, que é composta por quase 200 pessoas.
A qualidade do som parece ter agradado um pouco mais os foliões que estavam nas ruas. “Estamos usando o trio oferecido pela patrocinadora e temos uma expectativa de público parecida com a de 2020, com 300 mil pessoas”. Outra novidade do bloco foi uma ala de dança, que fez coreografias do início ao fim e levaram o público a cantar cada vez mais alto as músicas da cantora Rihanna, principal homenageada do bloco.
Outro bloco tradicional, o Havayanas Usadas, desfilou na Avenida dos Andradas com grande estrutura. O cortejo contou com um trio elétrico, duas kombis para suporte dos componentes, uma bateria com 175 pessoas, além de porta-estandartes, seguranças e pessoas recolhendo o lixo de dentro das cordas. A festa teve, inclusive, direção artística da carnavalesca Raquel Coutinho.
Rodrigo Boi, de 36 anos, regente do Havayanas Usadas, comentou sobre a profissionalização dos blocos. Segundo ele, é possível notar melhores estruturas em alguns blocos, mas ressaltou que nem todos conseguem, por falta de apoio e patrocínio, entregar um espetáculo altamente profissional.
“Existem alguns blocos que conseguem ter uma estrutura mais legal. O Havayanas mesmo tem um trio que é incrível, tem toda uma estrutura de microfonação da bateria que é muito legal. Mas ainda é muito desigual entre os blocos. Há toda uma dificuldade de colocar o bloco na rua. Tem muitos blocos que não conseguem levantar o recurso que precisa para ter uma estrutura legal como essa”, falou Rodrigo.
Maria Fernanda, estudante de 18 anos, afirmou ter percebido uma melhora na qualidade do som dos blocos. “Notei uma maior organização, de longe a gente está conseguindo acompanhar os blocos, de longe da muvuca, e ouvir a música perfeitamente”.
Renata Lara, 47 anos, arquiteta, citou a melhoria dos blocos, mas destacou que isso ainda não é regra no carnaval de BH. “Acho que os blocos estão ficando mais profissionais, mais preparados, mas alguns carros de som ainda precisam melhorar. O Então Brilha! é o bloco que a minha turma mais ama, a gente nunca falta, mas esse ano o som estava um pouco abafado, baixo, tinha gente gritando para aumentar”.
Segurança
O tamanho do desafio das forças de segurança acompanha o crescimento no número de foliões. O trabalho no Carnaval de Belo Horizonte é motivo de preocupação entre as corporações e demanda integração com outros órgãos de Estado e treinamentos específicos, como explicou à reportagem o chefe do Centro de Jornalismo da Polícia Militar de Minas Gerais, tenente-coronel Flávio Santiago, que avalia o trabalho da PM de forma positiva até aqui.
“O recorte mais próximo que temos mostra uma situação melhor que em 2020 e 2019. Nós temos cerca de 50 mil postos ativados de policiamento no estado, em uma estratégia de ocupação de espaço, de estar presente. Temos que pensar que são mais de 500 desfiles só em Belo Horizonte e, em todos eles, temos policiamento”, afirma.
De acordo com o tenente-coronel Santiago, o treinamento da PM para a segurança no Carnaval de Belo Horizonte envolveu trabalhar a compreensão de que a festa já faz parte da cultura da cidade e que é importante viabilizar a folia sem confusões, crimes e assédio.
O chefe do Centro de Jornalismo da PM destaca que as ações da corporação usam tecnologias como drones para monitorar os blocos e tornar o trabalho mais localizado. “Com ações cirúrgicas a gente inibe o furto de celular, um assediador que pensa estar no anonimato”, exemplifica o militar.
Outro ponto destacado pelo tenente-coronel foi a utilização da Praça da Liberdade como um espaço para relaxamento e pausa na folia. Com o passar dos dias, os foliões podem ficar mais cansados e aumentam as chances de atitudes violentas, então locais de descompressão da aglomeração ajudam no trabalho das forças de segurança.
“Foi importante a parceria da PM com a Secretaria de Estado de Cultura e Turismo (Secult) e com órgãos do município. A integração tem surtido muito efeito. O espaço na Praça da Liberdade pras pessoas descansarem, por exemplo, ajuda a evitar entroncamentos, separa as aglomerações e diminui a chance de incidentes. Nossa ação pode ser mais pontual e cirúrgica”, comenta.
Os bombeiros também tiveram treinamento específico para atender a ocorrências típicas do período carnavalesco. De acordo com a capitã Luciana, do Corpo de Bombeiros Militar de Minas Gerais (CBMMG), o ‘batalhão carnaval’ atua em três frentes principais na folia da capital.
“A gente trabalha com a realização das vistorias, que acontece antes dos blocos saírem para verificar se os requisitos de segurança estão de acordo com o especificado pelos organizadores. Também estamos atuando no serviço de coordenação dos brigadistas nos blocos, um trabalho integrado com brigadistas contratados pela prefeitura para atender qualquer emergência durante os desfiles. E também temos todo o trabalho de coordenação e controle que está sendo feito no Centro de Operações da PBH e no 1º batalhão do CBMMG”, explica.
Mobilização da prefeitura
Diariamente, a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) divulga um balanço da atuação do Executivo Municipal durante o carnaval. Os dados referentes ao dia são publicados na manhã seguinte, portanto, a última atualização disponível antes desta edição é referente ao domingo (19/2). Ainda assim, é possível perceber, pelos números, a dimensão da folia deste ano.
Contando a noite de sexta-feira (17/2), sábado e domingo, o Serviço de Limpeza Urbana (SLU) teve uma média de quase 890 funcionários nas ruas por dia. A imagem dos garis acompanhando o andamento dos cortejos é uma das marcas da festa deste ano e resultou em um total de 347 toneladas de lixo recolhido neste período.
Até domingo, foram 141 blocos e a cidade teve uma média de 1.826 banheiros químicos espalhados pelas ruas a partir de sexta. Para todo o período oficial da festa, que vai de 4 a 26 de fevereiro, 493 blocos foram cadastrados na PBH. Segundo a Empresa Municipal de Turismo de Belo Horizonte (Belotur) é observada uma tendência de estabilização no número de cortejos na cidade.
No período recortado, foram feitos 99 atendimentos pelo Samu e 283 nas Unidades de Pronto Atendimento (UPAs), Postos Médicos Avançados (PMAs) e no Hospital Odilon Behrens.
No trânsito, ponto sensível da cidade durante o carnaval, uma média de 424 funcionários da BHTrans trabalharam no fim de semana da festa. Ao todo, foram 1510 bloqueios de vias entre sexta e domingo e 200 linhas de ônibus tiveram seu itinerário modificado.