Ele não foi surrealista, tampouco cubista. É considerado um dos pioneiros da arte abstrata sem, contudo, ter abandonado totalmente a figuração. Nasceu na Suíça, mas tinha nacionalidade alemã – a almejada cidadania suíça chegou alguns dias após sua morte. Na corda bomba em momentos cruciais de sua vida, é este o Paul Klee (1879-1940) que emerge na exposição Equilíbrio instável, que será aberta nesta quarta-feira (28), no Centro Cultural Banco do Brasil.
Primeira grande retrospectiva do artista no país, com passagens anteriores pelas unidades do CCBB em São Paulo e no Rio de Janeiro, a mostra reúne 120 trabalhos dos 4 mil que integram o acervo do Zentrum Paul Klee, em Berna, na Suíça. Didática mas nada enfadonha, a exposição é uma carta de apresentação ao público brasileiro de um artista que nunca fez parte de nenhum movimento.
“Eu sou o meu estilo”, escreveu Klee em seu diário, em 1902. Abandonou a Academia de Artes de Munique após seis meses de curso, quando descobriu que o academicismo nunca o permitia criar, somente reproduzir. Produziu muito em seus 60 anos de vida – 10 mil trabalhos, 85% deles em papel. A produção de Klee reunida na mostra é apresentada de forma cronológica por Fabienne Eggelhöfer, curadora-chefe do Zentrum Paul Klee.
O visitante acostumado às exposições do CCBB vai descobrir, logo de cara, o lado gauche do artista. A mostra é apresentada no sentido anti-horário. Começa por uma sala à esquerda do hall principal do terceiro andar da instituição. Esse espaço, que costuma servir como uma introdução às mostras ali apresentadas, desta vez vai marcar o fim do percurso.
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Foi em Munique que Klee conheceu e se casou com a pianista Lily Stumpf, com quem teve seu único filho, Felix. Naquela cidade, sem trabalho, Klee ficava em casa cuidando do filho pequeno – era Lily, com aulas de piano, quem sustentava a família. Desse período, do início do século 20, destacam-se autorretratos e imagens da mulher e do filho.
Por causa da fragilidade do suporte em papel, as salas do CCBB ficarão com as portas fechadas, para manter a climatização adequada de 200C. As salas seguintes apresentam obras em que o artista descobre o mundo e desperta para a abstração. Em 1912, Klee conheceu o russo Wassily Kandinsky, que, no final daquela década, se tornaria colega de docência na escola Bauhaus. Em 1913, ele vai a Paris, onde conhece os cubistas. E 1914, um divisor de águas em sua trajetória, é marcado por uma viagem pela Tunísia.
“Essa famosa viagem foi descrita em seu diário. Ela é uma viagem mitológica, pois, um ano antes de ir para a Tunísia, Klee já trabalhava com a cor. Mas, a partir dali, há uma construção mais abstrata”, aponta Fabienne. Mesmo com a explosão da cor e o flerte crescente com a abstração, Klee ainda buscava referências na anatomia e na natureza.
Em 1916, ele é convocado para a Primeira Guerra Mundial. Não chega ao front; atuou em escritórios. Mas acabou se isolando, pois durante a guerra muitos amigos morreram. Depois do conflito, ele se muda para Weimar para dar aulas na Bauhaus. O período é muito rico, por causa das experiências que teve na escola. As performances circenses e teatrais da Bauhaus acabam sendo transportadas para sua obra. “A figura do acrobata acaba também representando sua situação de artista, sempre instável”, diz a curadora.
Na fase Bauhaus, Klee mistura nas pinturas e desenhos geometria com alguma narrativa. Em 1931, ele parte para Düsseldorf para dar aulas na Academia de Arte. Mas a ascensão do nazismo na Alemanha complica a vida de Klee, que perde o emprego e, sem lugar para trabalhar, volta para a Suíça.
Uma parte da exposição é dedicada a um tema recorrente na obra de Klee, o anjo. Uma de suas obras mais conhecidas, Angelus Novus, será apresentada em cópia fac-símile, já que o original, que foi presenteado pelo filósofo Walter Benjamin a sua mulher, pertence hoje ao Museu de Israel, em Jerusalém. Outras imagens de anjos – sempre bem humanos, sem a aura divina – compõem este setor. Há ainda marionetes que Klee criou para o filho Felix brincar – não são consideradas obras de arte, já que o artista nunca as catalogou.
Em 1935, já vivendo em Berna, Klee é diagnosticado com esclerodermia, doença autoimune que provoca enrijecimento dos tecidos conjuntivos. A mostra dá bom destaque à fase tardia do artista. “Para mim, é a parte mais importante de sua obra, pois nesses trabalhos ele alcançou a simplicidade que procurava desde criança”, opina Fabienne. Na seleção estão obras que fazem referência à caligrafia (no final dos anos 1920, Klee fez uma longa viagem para o Egito, onde se encantou com os hieroglifos).
“Os títulos das obras são muito importantes, já que, a partir deles, entende-se a ironia dos trabalhos. Os títulos não descrevem, mas fazem uma associação com a obra”, explica a curadora. Ao observar a aquarela Reconstrução de uma dançarina, uma tentativa, de 1939, dá para entender o humor do autor.
A doença não prejudicou a produção de Klee. Depois de uma parada, em 1936, o artista, em seus últimos anos, produziu mais de 1 mil obras. Um óleo sobre tela sem título, datado de 1940, é considerado a derradeira pintura de Klee. A obra não chegou a ser catalogada por ele. Talvez porque ele não a tivesse finalizado, talvez porque não tenha tido tempo para isso.
- PAUL KLEE – EQUILÍBRIO INSTÁVEL
- Exposição no Centro Cultural Banco do Brasil Belo Horizonte – Praça da Liberdade, 450, Funcionários, (31) 3431-9400.
- Visitação de quarta a segunda, das 10h às 22h. Entrada franca. Até 18 de novembro.
- Nesta quarta (28), às 18h30, a curadora Fabienne Eggelhöfer fará palestra aberta ao público. O encontro terá tradução simultânea. As senhas devem ser retiradas uma hora antes.
DIÁLOGO COM O BRASIL
Foi em 1913 que Paul Klee decidiu criar seu catálogo raisonée. Até sua morte, em 1940, o artista catalogou todos os seus trabalhos – ano, técnica, título e, caso a obra tivesse sido vendida, o nome do comprador. Sua viúva, Lily, morreu em 22 de setembro de 1946. O filho do casal, Felix, que havia lutado na Segunda Guerra Mundial e sido feito prisioneiro na Rússia, fora libertado uma semana antes da morte da mãe.
Quando Felix retorna a Berna, dois anos mais tarde, alguns colecionadores de Klee já haviam criado uma fundação dedicada ao artista. O herdeiro reivindicou seu patrimônio e um longo processo judicial entre a fundação e Felix entrou em curso. Em 1952, houve um acordo: parte do acervo ficaria com a fundação; parte com o filho.
Com a morte de Felix, em 1990, sua viúva, Livia, decidiu doar todos os trabalhos caso fosse construído um museu Paul Klee em Berna. É quando entra no jogo o ortopedista Maurice Müller, que doou mais da metade da verba para a construção do espaço. Ele só fez duas exigências: escolheria o local e o arquiteto responsável pelo prédio.
Em 2005, foi inaugurado em Berna o Zentrum Paul Klee. Com projeto do arquiteto italiano Renzo Piano, o centro conta com dois espaços expositivos. Há sempre uma exposição sobre Klee em curso e a de algum artista cuja obra faça alguma ponte com a dele. Com a vinda da exposição de Klee ao Brasil, Fabienne Eggelhöfer pretende que se abra um diálogo com a produção nacional. “Não queremos apenas mostrar a vocês quem foi Paul Klee. Estamos tentando também levar para Berna uma exposição brasileira”, afirma.
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