
Assim que terminou o show de encerramento da quinta Virada Cultural de BH, na Praça da Estação, na noite de domingo (21), o rapper Djonga desceu do palco, jogou a camisa branca para o público e se lançou nos braços de fãs, que se apertavam nas grades. No camarim, recebeu quem estava na área reservada para pessoas com deficiência. Um deles, o cadeirante Carlos Henrique Benício, de 25 anos, está desempregado. Abraçado ao ídolo, chorou e agradeceu. Segundo Benício, a música de Djonga o ajudou a superar uma depressão.
“Só a gente sabe o que passa. Estava num emprego e ninguém me olhava nos olhos. Senti o preconceito, me botaram para cortar papel o dia inteiro e me tratavam como se fosse de outro planeta. Fiquei em depressão.
Em 2015, era Djonga, apelido de Gustavo Pereira Marques, quem estava no meio da multidão quando o grupo de pagode Molejo encerrou a Virada Cultural. "Lembro de tomar batida aí embaixo. Os caras me tratando mal. Os caras me deram umas porradas, agora estou em cima do palco”, disse, durante o show.
A ascensão de Djonga – negro, pobre, nascido na Favela do Índio, na Região Norte de BH, e morador da Região Leste – inspira outros jovens como ele, que enfrentam o racismo e a exclusão social. No domingo à noite, em entrevista ao Estado de Minas, o rapper avaliou o sucesso do show na Virada e a própria carreira: “É a prova de que a gente faz um trabalho relevante, diz o que tem que ser dito”.
Em 2017, quando Djonga lançava o primeiro álbum, Heresia, o Brasil registrou sua maior taxa de homicídios (31,6/100 mil habitantes), de acordo com o Atlas da Violência – 75,5% das vítimas eram negras. Jovens entre 15 e 29 anos representavam 54,5% desse total.
“A maior praça de BH lotada para ver meu show de graça, a favela desceu”, escreveu Djonga no Twitter. No palco e nas letras, o mineiro dá voz aos excluídos. Domingo, cantou com Zulu, pioneiro do hip-hop de Minas, egresso do sistema prisional. “Eu tiro onda/ porque mudo paradigmas/ Meu melhor verso/ Só serve se mudar vidas”, diz um trecho de Ladrão, em que ele usa a metáfora de Robin Hood, que tira dos ricos para devolver aos pobres. Após o show de domingo, o cadeirante Carlos Henrique Benício voltou para o Barreiro de táxi, pago pelo “ladrão”.
Confira a entrevista que o rapper concedeu ao Estado de Minas no backstage:
Como você se sente depois do show na Praça da Estação?
Estou feliz. Fiquei emocionado em alguns momentos pontuais.
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É a prova de que a gente faz um trabalho relevante, um trabalho que diz o que tem que ser dito, que está alinhado com o tempo, o que é o mais importante. Não tem isso de estar à frente do tempo, não. Tem gente que está atrasada, mas tem gente que está alinhada com o tempo. Então, é por isso que toca tanto as pessoas. Prego muito isso: fazer coisas que façam sentido para mim, que façam sentido para a minha geração.
Quando você vê a reação dos fãs, ouve relatos sobre como suas músicas mudaram a vida deles, tem ideia do alcance do seu trabalho?
A linha é tênue. Tem hora que tenho, tem hora que não tenho. Tem dia que estou andando na rua e me esqueço.
Como é encerrar a Virada Cultural, um dos maiores eventos gratuitos de BH?
Em 2016, participei da intervenção com a música A carne. Elza Soares entrava com alguns homens negros. Na penúltima, em 2015, vim assistir ao show, os “cara” chegaram, me deram batida, me trataram mal. Foi do nada, nem falaram “encosta aí”. Já chegaram, meteram a mão e não acharam nada. É muito louco, porque hoje estou no lugar onde eles estavam quando estava tomando aquela batida.
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