
Angela Davis figura entre os grandes nomes mundiais do século 20. Ao lado de Martin Luther King (1929-1968), Malcolm X (1925-1965), Maya Angelou (1928-2014) e Rosa Parks (1913-2005), ela se tornou a voz e o rosto da luta pelos direitos civis nos Estados Unidos. Aos 75 anos, Angela não é apenas um símbolo aprisionado no passado, mas uma ativista atuante na luta por equidade em todo o mundo. Poucas figuras públicas tiveram participação tão efetiva como ela tem e teve em momentos emblemáticos da história contemporânea. Angela despersonaliza a discussão sobre os direitos civis em Angela Davis – Uma autobiografia. O livro, que é um clássico , foi traduzido pela primeira vez para o português pela cientista social e jornalista Heci Regina Candiani e chega ao mercado brasileiro em 5 de abril.
Apesar de ser personagem central no debate público mundial , no século 20 e ainda hoje, Angela retira o foco de sua história pessoal, procurando demarcar que não se pode sobrepor a dimensão pessoal à causa coletiva, mesmo quando a vida de uma pessoa é colocada de ponta-cabeça em decorrência da causa que defende. Na década de 1970, ela integrava o movimento de libertação de pessoas presas por razões políticas e essa segue como sua bandeira, quando denuncia como o racismo estrutural faz que parte significativa da população carcerária seja formada por negros.
Na introdução à autobiografia, Angela se opôs ao lema de pares feministas que dizia que “o pessoal é político”. À primeira vista essa posição de Angela pode parecer contraditória à causa feminista da qual ela é um dos mais importantes nomes mundiais. Um dos principais lemas do movimento é “o pessoal é político”, uma posição que procura demonstrar que o que ocorre na vida privada de sujeitos de grupos minorizados precisa ser tematizado publicamente, em especial a violência e a dominação sofrida pelas mulheres no ambiente doméstico. Angela é feminista, mas, ao escrever a autobiografia faz o esforço de não personalizar a reivindicação pela igualdade de direitos.
A primeira edição da autobiografia foi publicada originalmente em 1974, e escrita quando Angela tinha 28 anos. Ela não havia passado nem por um terço de sua vida pública, mas já havia protagonizado a luta por justiça que influenciou jovens em todo o mundo. Expõe a ponderação que fez à época se deveria escrever uma autobiografia, sendo ainda tão jovem. A edição em português traz a introdução à segunda edição norte-americana, publicada em 1988. No texto, ela lembra que a autobiografia é “um importante documento de descrição histórica e de análise do fim dos anos 1960 e 1970.”
A autobiografia nos transporta para o momento em que Angela é presa, a perspectiva de quem lutava pela libertação dos Irmãos Soledad (George Jackson, Fleeta Drumgo e John Clutchette), “que enfrentavam uma acusação fraudulenta de assassinato no interior da prisão de Soledad”, quando ela própria passa a ser caçada pelo FBI. De maneira minuciosa, ela conta as condições a que ela e outras mulheres eram submetidas na prisão e demonstra como foi construída a linha de defesa.
O livro foi editado pela professora e escritora norte-americana Toni Morrison, ganhadora do prêmio Nobel de Literatura em 1993. A própria Angela define a obra como “autobiografia política”. A narrativa não é linear. Angela retoma as lembranças na infância em Birminghan, Alabama (estado apontado pelos movimentos negros americanos como um dos mais racistas). “Aos 4 anos de idade, eu tinha consciência de que as pessoas do outro lado da rua eram diferentes, sem ser capaz ainda de associar essa natureza estranha à cor de sua pele.” Ela relata a tensão racial que existia entre os vizinhos, que mal cumprimentavam sua família. Angela relembra a história de seus antepassados, de sua avó, que nasceu pouco tempo depois da declaração de emancipação, lei assinada pelo presidente Abraham Lincoln, que abolia a escravidão, em 1863.
IGUALDADE DE RAÇA,
CLASSE E GÊNERO
Na autobiografia, Angela demonstra como foi sua formação intelectual na Universidade de Brandeis, com influência de nomes como James Baldwin (1924-1987), romancista e ensaísta negro, e o filósofo alemão naturalizado norte-americano Herbert Marcuse (1898-1979), importante nome da Escola de Frankfurt. Marxista de formação, Angela propõe abordagem das igualdades interseccionando raça, classe e gênero. O pensamento progressista de Angela pode ser entendido nos seus livros. A editora Boitempo publicou Mulheres, raça e classe (2016), que trata da escravidão e seus efeitos, principalmente na vida das mulheres negras, que foram desumanizadas. Outra obra é Mulheres, cultura e política, com compilação de discursos e artigos da ativista; e A liberdade é uma luta constante (2018), que reúne seleção de artigos, discursos e entrevistas realizados em vários países entre 2013 e 2015, organizados pelo militante dos direitos humanos Frank Barat.
Angela segue como voz das lutas das mulheres, negros e população carcerária. Foi uma das articuladoras da marcha das mulheres contra Donald Trump em 2017, que levou milhares de ativistas às ruas de Washington, e reverberou no movimento #Metoo. “Esta é uma Marcha das Mulheres e ela representa a promessa de um feminismo contra o pernicioso poder da violência do Estado. E um feminismo inclusivo e interseccional que convoca todos nós à resistência contra o racismo, a islamofobia, o antissemitismo, a misoginia e a exploração capitalista”, discursou na época.
TRECHO DO LIVRO
“No fim de setembro, os sinais indicavam uma perseguição mortífera e sem trégua. A mãe de David, que morava perto de Miami, contou a ele que dois homens estiveram na casa dela indagando sobre seu paradeiro. Os antigos medos ressurgiram e comecei a duvidar seriamente de que seria possível escapar da polícia sem deixar os Estados Unidos. Mas, cada vez que eu considerava ir para fora, a ideia de ficar exilada em outro país por tempo indefinido era ainda mais terrível do que a de ser trancada na prisão. Ao menos ali eu estaria perto da minha gente, perto do movimento.”
• ANGELA DAVIS – UMA AUTOBIOGRAFIA
• De Angela Davis
• Editora Boitempo
• 368 páginas
• R$ 89 (capa dura)
• R$ 58 (brochura)
• R$ 39,90 (digital)