
“A fúria negra ressuscita outra vez...”
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O disco caiu no gosto dos jovens, não apenas da periferia, mas também dos chamados playboys. O álbum extrapolou qualquer expectativa imaginável. Em 2018, foi indicado como leitura obrigatória no vestibular da Unicamp e isso tem ainda mais peso por ser um disco de rap, produzido longe dos círculos acadêmicos, por representantes de um Brasil que raramente é visto e ouvido. Por todas essas características o Racionais e a sua obra mais relevante representam uma subversão inimaginável até então, pela origem e por terem chegado onde chegaram jogando pelas próprias regras. E isso não é pouca coisa, principalmente em um dos países mais racistas do mundo, em que o discurso de Brown, Ed Rock, Ice-Blue e KL Jay superou os tabus impostos falando do abismo que separa brancos e negros.
A obra fala principalmente para quem vive aquele mundo e sobre como sobreviver a ele. É o trabalho que melhor traduz o universo da periferia, narrando-o sob um viés muito diferente do que é apresentado nos telejornais, justamente por se tratar de uma visão de dentro, cuja narrativa se encontra distante da costumeira visão pasteurizada e maniqueísta. Trata-se de uma poética sofisticada, nunca vista ou ouvida na literatura ou na música daqui. Nenhum outro trabalho representou tão bem os efeitos dos 400 anos de escravidão no Brasil.
* Roger Deff é jornalista e rapper
SOBREVIVENDO NO INFERNO
De Racionais MC's
Companhia das Letras
160 páginas
R$ 34,90 e R$ 23,90 (e-book)
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