
Oswaldo Aranha lutou – no front – nas revoluções gaúchas dos anos 1920. Um tiro estraçalhou-lhe o calcanhar. Articulou a ascensão de Getúlio Vargas ao poder em 1930, atuou decisivamente para que o Brasil apoiasse os Aliados na 2ª Guerra Mundial, embora o “chefe” ensaiasse se aliar a Hitler e Mussolini. Comandou a reunião da Organização das Nações Unidas (ONU) que criou o Estado de Israel. Na noite que antecedeu ao suicídio de Vargas, ele e Tancredo Neves se propuseram a defender – a bala – o mandato constitucional do presidente, pressionado a renunciar pelos militares. Enterrado Getúlio, o mineiro e o gaúcho articularam, praticamente à beira do túmulo, a vitoriosa candidatura de Juscelino Kubitschek.
Sem minimizar contradições e complexidades de Aranha e de Getúlio, Pedro Corrêa do Lago diz que seu livro dialoga com o Brasil contemporâneo por evocar uma geração “cuja postura diante da coisa pública era diametralmente oposta àquela adotada hoje pelos políticos”.
“Naqueles tempos, o que conferia prestígio às famílias não era o dinheiro, mas a função pública”, observa Corrêa do Lago. Atualmente, ocupar cargo público, em vez de trazer orgulho, é quase motivo de vergonha, compara. De fato. A última pesquisa Datafolha dá bem o tamanho do descrédito: 65% dos brasileiros não confiam nem no ocupante da Presidência da República nem nos integrantes do Congresso Nacional...
O autor, que tinha 2 anos quando Oswaldo Aranha morreu, não escreveu um livro imparcial. De cara, na página 15, cita o padre Antônio Vieira: “Todas as penas nasceram em carne, sangue, e todos, nas tintas de escrever, misturam as cores do seu afeto”. As 411 páginas trazem 600 imagens e 500 citações. O irmão de Pedro, Luiz Aranha do Lago, doutor em economia pela Universidade de Harvard, assina o texto introdutório. No prefácio, o historiador Jorge Caldeira destaca o “desafio impossível entre proximidade e objetividade” enfrentado pela dupla para rememorar o legado do avô. Porém, a memória familiar pode ser útil à história. Neste caso, ajuda a elucidar sob novos prismas a complexa relação entre Vargas e Aranha, marcada por alianças e rupturas.
MINAS O jovem “subversivo” gaúcho de 1923 e 1926, de certa forma, evitou que Getúlio compusesse com as forças da República Velha que o derrotaram (fraudulentamente) nas urnas na eleição para a Presidência. Oswaldo articulou ativamente a Revolução de 1930, que pôs o chefe no Palácio do Catete.
Aranha se demitiu do Ministério da Fazenda. Mas logo depois aceitou ser embaixador do Brasil nos EUA. Tornou-se amigo de Walt Disney e aproximou o Brasil do governo Roosevelt. Em 1937, quando Getúlio virou ditador, o gaúcho deixou o cargo por rejeitar o Estado Novo arquitetado por seu desafeto, o mineiro Francisco Campos. Porém, um ano depois, assumia o Ministério das Relações Exteriores, articulando o apoio do Brasil e de Vargas aos Aliados na 2ª Guerra Mundial.
Graças a ele, o Rio de Janeiro entrou, definitivamente, no radar americano.
DEMISSÃO Candidatíssimo a candidato à sucessão de Getúlio, o gaúcho foi “abatido” pelo chefe em pleno voo. Em 1944, o ditador mandou fechar a Sociedade dos Amigos da América, onde o chanceler discursaria. Aranha deixou o ministério. Veio a crise: deposto Vargas, Oswaldo apoiou a candidatura oposicionista de Eduardo Gomes ao Palácio do Catete. Venceu o marechal Eurico Dutra, com apoio dos getulistas. Em 1947, o novo presidente o convidou para chefiar a delegação brasileira na Organização das Nações Unidas. Israel foi criado graças à forma como Aranha conduziu, em Nova York, a reunião da ONU que decidiu a partilha da Palestina.
Pedro Corrêa do Lago acredita que a fotobiografia vem recolocar seu “quase esquecido” avô no horizonte do brasileiro, pois só se lembram dele por causa do filé batizado com seu nome. “Oswaldo Aranha mal é mencionado em recentes publicações sobre a história do Brasil”, lamenta. Experiente livreiro – sua Editora Capivara lançou importantes registros iconográficos sobre a história do Brasil –, o intelectual carioca procurou dar “palavras às imagens”, como gosta de dizer. Aquelas fotos, charges, páginas de jornais e revistas não registram apenas a trajetória de um homem público. Documentam o período em que a imprensa escrita se consolidou como formadora de opinião no país.
Se pudesse dar um conselho ao avô, Pedro lhe diria para ser menos fiel a Vargas. Naquela “conturbada amizade”, acredita, Aranha tinha mais apreço por Vargas do que o presidente pelo pupilo, sempre afastado do poder quando surgia a possibilidade de substituir o chefe. “Meu avô tinha uma noção romântica de lealdade”, acredita.
AMANTE Por falar em lealdade, Pedro driblou uma armadilha das biografias “de família”: o silêncio. Em seu livro, ele não escamoteou o relacionamento extraconjugal do avô com a cantora lírica Yolanda Norris, que lhe deu o filho Luiz Oswaldo. Revela que Aranha visitava o menino e a amante, na hora do almoço, mas jantava em casa com a embaixatriz, dona Vindinha, mãe de seus quatro filhos “oficiais”. A fotobiografia traz imagens do garoto com Yolanda. Na página 312, lá estão Aranha, a esposa e o clã oficial, enquanto bem ao lado, na página 313, o embaixador aparece com Yolanda, as netas dela e o filho Luiz Oswaldo. Detalhe: Oswaldo Aranha era padrinho de uma das netas da amante.
Durante suas pesquisas, Pedro, que só rapazinho tomara conhecimento da existência do “tio torto”, bateu à porta de Luiz Oswaldo, no Rio de Janeiro. Pediu-lhe fotos, sem muita esperança, mas o pacote veio – e cheio de surpresas, como as imagens de Oswaldo e Yolanda juntos. Dona Vindinha morreu sem saber do outro filho do marido. A mãe de Pedro e as tias custaram a descobrir o “segredo” – aliás, bem guardado, há tempos, pelos homens do clã.
Fato é que Luiz Oswaldo Norris Aranha, de 78 anos, compareceu ao lançamento de Oswaldo Aranha – Uma fotobiografia, no Rio de Janeiro. Alguns dias antes, fora a primeira pessoa a receber um exemplar das mãos do autor, que viajou de carro de São Paulo ao Rio especialmente para lhe entregar o livro. A delicadeza não deixou de ser um gesto diplomático, político. Daqueles com “p” maiúsculo – tão escassos neste Brasil das delações premiadas...
OSWALDO ARANHA: UMA FOTOBIOGRAFIA
De Pedro Corrêa do Lago
Editora Capivara
412 páginas
R$ 70.