O sal é um dos vilões mais conhecidos quando se fala em problemas no coração. Cientistas americanos reforçaram essa fama ao mostrar que os males causados pelo sódio ao organismo podem ocorrer mais cedo do que se imaginava. Os investigadores analisaram um grupo de adolescentes e viram que o consumo excessivo da substância provocou rigidez nas artérias dos jovens, problema que pode desencadear enfermidades mais graves, como ataque cardíaco e derrame. Os autores do estudo, apresentado no Encontro da Sociedade Acadêmica Pediátrica de 2017, nos Estados Unidos, sustentam que os achados corroboram a necessidade da redução do consumo do alimento desde a infância.
Os investigadores foram motivados a realizar a pesquisa após observar um aumento no número de crianças e adolescentes que sofrem com obesidade, diabetes, colesterol alto e hipertensão. Os cientistas resolveram fazer uma análise ampla e observar se o excesso de sal na dieta dos jovens poderia contribuir para o surgimento de problemas cardíacos. Os pesquisadores recrutaram 775 adolescentes em um hospital infantil do estado de Ohio, nos Estados Unidos. A quantidade de sódio consumida pelos participantes foi medida por meio de registros dos próprios voluntários, durante três dias. Com a ajuda de monitores colocados na pele dos jovens - próximos a artérias localizadas no braço, pescoço e virilha -, duas medidas importantes no sistema cardíaco foram analisadas: a elasticidade da artéria braquial (localizada na parte superior do braço) e a onda de pulso (velocidade com que o sangue percorre entre a artéria carótida, no pescoço, e a artéria femoral, na virilha). Os resultados mostraram que um maior consumo diário de sódio foi associado a uma menor elasticidade da artéria braquial e maior onda de pulso. “Juntas, essas duas leituras indicaram níveis mais altos de rigidez nas duas artérias periféricas, que ficam nas extremidades do corpo, e também nas artérias centrais”, explicou, em um comunicado, Elaine Urbina, diretora do Departamento de Cardiologia Preventiva no Hospital Infantil de Cincinnati, nos Estados Unidos, e principal autora do estudo.
De acordo com os cientistas, a rigidez das artérias, provocada pelo consumo excessivo de sal pelos adolescentes, reforça ainda mais a necessidade de redução da quantidade de sódio ingerida pelos jovens, já que essa alteração pode provocar a aterosclerose, problema que pode desencadear complicações ainda mais graves. “Sabemos que adolescentes e adultos jovens têm ingerido mais que a quantidade recomendada de sal em suas dietas. Nosso estudo sugere que isso pode gerar mudanças no corpo, e provocar riscos maiores de ataque cardíaco e derrame”, ressaltou Urbina.
Roberto Cândia, cardiologista do laboratório Exame, em Brasília, detalha por quê a rigidez das artérias é tão prejudicial ao coração. “O endurecimento dos vasos sanguíneos prejudica a circulação do sangue e também impede que substâncias liberadas pelo corpo, com a função de ajudar a dilatar os vasos sanguíneos, possam agir. Isso faz com que a pressão arterial aumente, dessa forma, a hipertensão e o infarto podem ocorrer. Essa relação já foi vista em pacientes diabéticos, e, agora, com esse estudo, constatamos que os jovens também podem sofrer desse mal. Isso mostra que futuramente eles podem se tornar cardiopatas”, destacou o especialista, que não participou do estudo.
ATENÇÃO À ALIMENTAÇÃO
Maria de Fátima Leite, membro do Departamento Científico de Cardiologia da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), acredita que a pesquisa americana reforça a necessidade de atenção à alimentação dos jovens, um assunto que vem sendo abordado por especialistas da área. “É um alerta mais que necessário porque o número de jovens que sofre com obesidade vem aumentando consideravelmente. Eles não estão apenas acima do peso. Eles precisam de tratamento, e isso é bastante preocupante. Com essa pesquisa, conseguimos ver como a ingestão de sal em excesso pode provocar o envelhecimento das artérias precocemente, um problema que muitos acreditam surgir apenas na meia-idade”, ressaltou a especialista.
HÁBITOS
Ela ressalta que os hábitos de alimentação das crianças precisam ser monitorados com cuidado pelos pais. “No caso da cidade onde vivo, no Rio de Janeiro, tenho visto que as crianças brincam menos na rua, não fazem atividades físicas. Isso, somado a uma alimentação ruim, muitas vezes baseada em produtos industrializados, com alta quantidade de sódio, se torna uma bomba-relógio. É importante trocar essas refeições por alimentos de qualidade, diminuir o consumo de junk food e estimular a realização de exercícios que ajudem a prevenir um problema cardíaco precoce”, ressaltou a especialista.
Os autores do estudo darão continuidade à pesquisa. Eles pretendem se aprofundar no tema, e encontrar mais detalhes relacionados à saúde cardíaca de crianças e adolescentes. Cândia aposta que a continuação do estudo, com avaliação de um grupo maior de pessoas, poderá trazer dados ainda mais relevantes. “Seria interessante observar mais jovens e também verificar se essa rigidez ocorre com mais frequência em alguma raça específica, se é algo mais comum em pessoas brancas, por exemplo”, ressaltou a especialista.