Pesquisa mostra que palavrões ofendem homens e mulheres de forma diferente

Estudo de professora da UnB mostra que há diferenças entre os palavrões dirigidos a um homem ou a uma mulher. Para elas, os piores nomes são aqueles relacionados ao comportamento sexual; para eles, o problema é questionar o caráter

por Camila Costa 12/06/2015 09:00

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Vários aspectos na vida de homens e mulheres mudaram. Algumas diferenças até diminuíram. No entanto, em diversas áreas, é possível sentir a discrepância de tratamento entre o feminino e o masculino. E por mais esquisito que possa parecer, em um contexto mais comum do que o percebido pela população, são nos xingamentos interpessoais que podemos notar esse abismo social. Pesquisa recente da professora Valeska Zanello, do Departamento de Psicologia Clínica da Universidade de Brasília (UnB), revela quais são os palavrões mais ofensivos ditos a uma mulher e, do outro lado, os mais difamadores para um homem. O estudo vai além e mostra como uma mesma palavra pode ter sentidos diferentes, dependendo até da entonação.

A velha história de que um homem que fica com muitas mulheres é garanhão, mas a mulher que tem mais de um homem é “puta” não está ultrapassada. A sociedade, por mais moderna que esteja, ainda aponta o dedo de forma diferente diante de uma situação como a descrita. O estudo da professora reforça uma observação natural da sociedade, que, no fundo, sabe da diferença de tratamento, mas a ignora. “A mesma palavra que para uma mulher é uma violência, para o homem vira um elogio”, explica Valeska.

Um exemplo mais claro é o termo “vagabunda”. Chamar uma mulher do adjetivo, de acordo com os valores culturais da sociedade, é o mesmo que xingar de “piranha” ou “puta”. Está ligado ao comportamento sexual ativo. Para o homem que é xingado de “vagabundo”, a conotação é bem diferente. Significa fracasso, vida à toa, sem trabalho, pobre. Até ofende, mas não tanto quanto verbalizada a uma moça. “Os xingamentos refletem valores. Nunca é dito aleatoriamente. Tanto que na pesquisa, em todas as faixas etárias e sociais, disseram que o pior xingamento para uma mulher é ‘puta’. Ou seja, existe uma intenção de controle sexual das mulheres. O ideal de mulher é a do recalque. Uma cultura machista”, avalia a professora.

ARTE: Soraia Piva


Caráter e beleza
Na segunda categoria de palavrões (veja É você!), as piores palavras de calão dirigidas ao sexo feminino são “farsante”, “mentirosa”, “egoísta”, que, segundo a pesquisadora, demonstram traços de caráter relacional. Em terceiro, entram os traços físicos. “O pior é chamar a mulher de gorda. Assim, fica claro que o ideal de beleza é a magreza”, ressalta. Enquanto isso, “gordo” nem entra na lista e xingamentos aos homens. Terrível é ser chamado de “veado”, “bundão” e “pobre”. Atacar a eficácia sexual também prevalece, ao serem citadas as definições “pinto mole” ou “pinto pequeno”.

A pesquisa começou em 2007 e terminou o fim do ano passado. Foi feita em formato de questionário, com oito questões que perguntavam quais os piores xingamentos para uma mulher e para um homem, e em quais situações. Ao todo, 700 pessoas de diferentes idades, unidades de ensino e classe social responderam. O ponto de partida foi a consciência de que há palavras que possuem o poder, quando proferidas, de ferir gravemente a dignidade, a integridade e a honra do ouvinte. O estudo questionou quais palavras seriam essas, por que e em que sentido colocam o outro numa posição desqualificada. Também indagava que parâmetro determina a desqualificação e por que quem recebe o insulto se sente ofendido.

"Os xingamentos refletem valores. Nunca é dito aleatoriamente. Tanto que na pesquisa, em todas as faixas etárias e sociais, disseram que o pior xingamento para uma mulher é ‘puta’. Ou seja, existe uma intenção de controle sexual das mulheres” - Valeska Zanello, professora do Departamento de Psicologia da UnB

Síndrome de Tourette
Falar muito palavrão pode ter relação com a saúde. Existe, inclusive, uma doença relacionada aos xingamentos: a coprolalia. Ela é um sintoma de um mal chamado Síndrome de Tourette, que afeta uma em cada 2 mil pessoas — 75% delas do sexo masculino. Trata-se da incapacidade de controlar um imenso desejo de falar obscenidades.

Brincadeira de amigos
Em diversas situações, o palavrão pode se tornar até uma brincadeira. Se estiver inserido em uma relação de amigos, por exemplo, um xingamento pode nem ser ofensivo e, sim, apenas uma forma de zombar do colega. No entanto, para isso é preciso ter cuidado com a entonação. Dependendo de como e em qual contexto é dita, a mesma palavra pode ter interpretações diferentes. E, novamente, se for para ofender, homens e mulheres serão xingados de formas diferentes.

Se o contexto for atacar os atributos físicos, a disparidade entre o que prevalece para elas e para eles chega a ser engraçada. Quem participou da pesquisa disse que o terceiro pior xingamento dito a uma mulher é “gorda”. Já para os rapazes, saiu a expressão “pinto mole”. “Diferentemente das mulheres, em vez de ser um padrão de estética geral, os palavrões ficam centrados no pênis. É um espelho do que se constrói no imaginário da eficácia sexual desse homem. Os homens se subjetivam, principalmente, pelo dispositivo da eficácia. O verdadeiro homem é reprodutor e ‘comedor’”, concluiu Valeska.