Zoo, livro que reúne fotografias de João Castilho, é uma provocação. A capa e as seis imagens que abrem o volume mostram diferentes perspectivas de uma mata. Nas páginas seguintes, a publicação apresenta 30 fotografias, cada uma com um animal distinto. E se encerra com quatro imagens de mata. A provocação, no caso, é o fato de todos terem sido registrados em um ambiente doméstico. A obra, com edição cuidadosa, é resultado de dois anos de trabalho do artista, realizado entre 2014 e 2016, e será lançada amanhã, na Quixote Livraria e Café, a partir da 11h.
Tatu, emu, urutu, teiú, quati, jiboia, arara, gavião e tamanduá. Esses são alguns dos animais capturados pela lente de João Castilho. E ele expõe cada qual em uma situação: sobre a mesa de jantar, deitados sobre o tapete da sala de visitas, instalados no sofá, ou em cima da cama, estendidos ou sobre as quatro patas. É estranho.
Causar estranheza é procedimento recorrente há décadas de inúmeros artistas e, muitas vezes, por si só, já é digno de valor. Não é o caso de João Castilho em seu Zoo. Nesta série de imagens, estranhamento é apenas o mote para discussões ulteriores. E o trabalho sugere vários temas e desdobramentos.
Um deles é a dicotomia animal versus humano. Ao falar sobre seu trabalho, o artista expõe questões que o motivaram a criar a série. “Dizemos: este é o lugar do homem, aquele é o lugar do animal, somos radicalmente opostos por isso, isso e isso. Mas por que é assim? Não somos nós também animais? O que nos aproxima? O que há deles em nós? O animal não carrega também muito do mistério humano?”
A palavra “animalesco”, por exemplo, que traz em sua definição o sentido de “bruto, estúpido”, exemplifica a conotação pejorativa com a qual nos referimos aos não humanos. São seres irracionais, afinal, seguimos a cartilha cartesiana. Ao colocar animais selvagens no ambiente caseiro – “onde potencialmente estaríamos mais à vontade enquanto humanos” –, as imagens de Castilho criam atrito. “De repente, talvez, aquele animal seja o homem. Ou já tenha sido alguma vez um homem. Esse deslocamento do animal proporciona isso, um curto-circuito na realidade.”
A arquitetura é elemento frequente na obra de João Castilho, mas sempre exposta como meio de questionar o sentido de lar, de pertencimento e as raízes e afetos que aquelas estruturas representam para as pessoas. Em Zoo, não são objetos ou situações “plausíveis” que provocam esse questionamento. Ao introduzir um elemento improvável – sobretudo um ser vivo, um animal – no ambiente que nos é tão familiar, o artista transcende o lugar social para tocar em questões existenciais.
O conjunto de imagens, na qual não há presença humana, sugere outro embate, implícito. Atrás da câmera há o fotógrafo. “A fotografia é um meio que exige que o artista esteja realmente diante da coisa fotografada. Portanto, fotografar esses animais é, antes de tudo, estar diante deles”, revela Castilho, acrescentando que seu primeiro impulso foi “estar diante do animal”.
O artista confessa que a presença do animal “é muito real, é gritante”, capaz de desestabilizar não apenas o momento, mas sua própria condição: “De repente, aquele animal também sou eu, também é você”. Ele relata que, apesar de acompanhado por tratadores e de os animais serem relativamente domesticados, estar diante deles pressupunha uma inevitável tensão. “Os animais, mesmo estes, estão sempre à espreita.” E testemunha a experiência: “Por mais que esses animais tenham algum contato com humanos, eles não vivem dentro de casas. Se esse deslocamento muda completamente o eixo do nosso instinto, isso não é menos verdade para o animal. E o comportamento de ambos, homem e animal, nessa situação, é imprevisível”.
Castilho reflete sobre a relação estabelecida, naquele momento, entre animal e homem. “É muito importante para mim que estejamos presentes, eu e o animal, um de frente pro outro, se interrogando em silêncio, como quem diz: e agora?”, narra, depois de ter encarado 30 animais diante da câmera. E ali, no instante do clique, elemento tão específico e essencial da fotografia, ocorre a mágica da arte: “O trabalho funciona como o testemunho de um ato”. Pelo visto – e registrado – João Castilho soube aprender com os animais: “Estar face a face com um animal nos faz retornar a algo primitivo, ancestral, e talvez, quem sabe, por um breve instante, nos transformamos em uma onça, um tatu, um tamanduá.”
Zoo
De João Castilho
Edição do autor
68 páginas
R$ 50
Lançamento amanhã, das 11h às 14h.
Quixote Livraria e Café (Rua Fernandes Tourinho, 274, Savassi, (31) 3227-3077).
Tatu, emu, urutu, teiú, quati, jiboia, arara, gavião e tamanduá. Esses são alguns dos animais capturados pela lente de João Castilho. E ele expõe cada qual em uma situação: sobre a mesa de jantar, deitados sobre o tapete da sala de visitas, instalados no sofá, ou em cima da cama, estendidos ou sobre as quatro patas. É estranho.
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Um deles é a dicotomia animal versus humano. Ao falar sobre seu trabalho, o artista expõe questões que o motivaram a criar a série. “Dizemos: este é o lugar do homem, aquele é o lugar do animal, somos radicalmente opostos por isso, isso e isso. Mas por que é assim? Não somos nós também animais? O que nos aproxima? O que há deles em nós? O animal não carrega também muito do mistério humano?”
A palavra “animalesco”, por exemplo, que traz em sua definição o sentido de “bruto, estúpido”, exemplifica a conotação pejorativa com a qual nos referimos aos não humanos. São seres irracionais, afinal, seguimos a cartilha cartesiana. Ao colocar animais selvagens no ambiente caseiro – “onde potencialmente estaríamos mais à vontade enquanto humanos” –, as imagens de Castilho criam atrito. “De repente, talvez, aquele animal seja o homem. Ou já tenha sido alguma vez um homem. Esse deslocamento do animal proporciona isso, um curto-circuito na realidade.”
A arquitetura é elemento frequente na obra de João Castilho, mas sempre exposta como meio de questionar o sentido de lar, de pertencimento e as raízes e afetos que aquelas estruturas representam para as pessoas. Em Zoo, não são objetos ou situações “plausíveis” que provocam esse questionamento. Ao introduzir um elemento improvável – sobretudo um ser vivo, um animal – no ambiente que nos é tão familiar, o artista transcende o lugar social para tocar em questões existenciais.
O conjunto de imagens, na qual não há presença humana, sugere outro embate, implícito. Atrás da câmera há o fotógrafo. “A fotografia é um meio que exige que o artista esteja realmente diante da coisa fotografada. Portanto, fotografar esses animais é, antes de tudo, estar diante deles”, revela Castilho, acrescentando que seu primeiro impulso foi “estar diante do animal”.
O artista confessa que a presença do animal “é muito real, é gritante”, capaz de desestabilizar não apenas o momento, mas sua própria condição: “De repente, aquele animal também sou eu, também é você”. Ele relata que, apesar de acompanhado por tratadores e de os animais serem relativamente domesticados, estar diante deles pressupunha uma inevitável tensão. “Os animais, mesmo estes, estão sempre à espreita.” E testemunha a experiência: “Por mais que esses animais tenham algum contato com humanos, eles não vivem dentro de casas. Se esse deslocamento muda completamente o eixo do nosso instinto, isso não é menos verdade para o animal. E o comportamento de ambos, homem e animal, nessa situação, é imprevisível”.
Castilho reflete sobre a relação estabelecida, naquele momento, entre animal e homem. “É muito importante para mim que estejamos presentes, eu e o animal, um de frente pro outro, se interrogando em silêncio, como quem diz: e agora?”, narra, depois de ter encarado 30 animais diante da câmera. E ali, no instante do clique, elemento tão específico e essencial da fotografia, ocorre a mágica da arte: “O trabalho funciona como o testemunho de um ato”. Pelo visto – e registrado – João Castilho soube aprender com os animais: “Estar face a face com um animal nos faz retornar a algo primitivo, ancestral, e talvez, quem sabe, por um breve instante, nos transformamos em uma onça, um tatu, um tamanduá.”
Zoo
De João Castilho
Edição do autor
68 páginas
R$ 50
Lançamento amanhã, das 11h às 14h.
Quixote Livraria e Café (Rua Fernandes Tourinho, 274, Savassi, (31) 3227-3077).