Seu lazer é o trabalho deles

por Mariana Peixoto 22/07/2012 07:26

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Guille Suarez/Divulgacao
Jefferson Santos fez pesquisa de campo para o Fodor's (foto: Guille Suarez/Divulgacao )
Pode parecer a melhor profissão do mundo para quem sonha com as suadas férias anuais, mas viajantes profissionais costumam enfrentar algumas roubadas e apertos que podem atrapalhar a execução do projeto. Também precisam de uma dedicação a cada projeto; fosse de outra maneira, seus guias não mereceriam crédito ou não trariam nenhum diferencial frente à diversidade de livros que chegam ao mercado. Abaixo, pessoas envolvidas de diferentes maneiras no processo relatam suas experiências, que, na maioria das vezes, passam ao largo da sombra e da água fresca.

O pesquisador

O trabalho é divertido, o salário fica a desejar. Em 2005, o planejador de eventos Jefferson Santos trabalhou para o Fodor’s, um dos mais antigos e tradicionais guias de viagem, criado em 1936 pelo húngaro Eugene Fodor. Coube a ele, contratado como free lancer, cuidar do capítulo de Minas Gerais para a edição de 2006 e de 2008 do guia da América do Sul. Mais tarde foi chamado também para atualizar os capítulos de Pernambuco e Ceará, um trabalho em que não precisou ir a campo.

Mas para Minas Jefferson viajou um bocado. Foi às principais cidades históricas, mais algumas regiões de turismo ecológico, além de BH, onde vive. “Não pode falar, em lugar nenhum, que está escrevendo para um guia”, conta ele. Os parâmetros já haviam sido estabelecidos pelo guia: “Era fazer uma geral da cidade, mostrar o que fazer, ir a hotéis e restaurantes e, para BH e Ouro Preto, tive que criar um roteiro de duas a quatro horas.” Ele utilizou um software do próprio Fodor’s para enviar as informações, todas em inglês.

Todo o processo consumiu um ano. Nos primeiros meses ele foi a campo, depois levou um tempo para cuidar do texto. “Quando mandava, ele já estava editado. Três ou quatro meses depois eles, após checar, entravam em contato para tirar dúvidas.” Para ele, é trabalho para quem tem um bom nível de inglês, mas que não pode achar que vai fazer rios de dinheiro. “A grana não é tão boa porque eles te dão um salário e você tem que pagar tudo.” E há hotéis de luxo em que você tem que se hospedar obrigatoriamente. “Mas tive total liberdade para escrever, acrescentar o que valia a pena e o que não”, conclui.

A autora

“Tem gente que viaja igual a mala. Roda muito, carrega muita coisa e não aproveita nada.” Há anos Lúcia Helena Monteiro Machado ouviu essa frase de um amigo, que lhe serviu de aprendizado. Em 1983, ela fez sua estreia na Europa. Levou na bagagem um guia emprestado de uma amiga – antes de embarcar, havia feito uma pesquisa grande sobre os países que ia conhecer. “Por outro lado, o brasileiro viaja sem saber aonde vai, o que vai
fazer”, comenta.

Mas não Lúcia Helena. De 30 anos para cá, perdeu a conta de quantas viagens fez, principalmente à Europa – Paris, ao menos 30 vezes. Em casa, tem cerca de 500 títulos, o mais antigo deles um guia de 1925 sobre os monumentos da capital francesa. Tomou tanto gosto por viagens e guias – faz em média duas por ano – que acabou escrevendo seus próprios guias. Publicou o primeiro, pela Editora Ática, Paris, em 1997 – esgotado, está com a segunda edição pronta, só esperando uma nova editora. Depois vieram, pela Nova Alexandria, Barcelona (2000) e Florença (2004). O aspecto cultural é enfatizado nos guias de Lúcia Helena.

“Considero o de Florença o meu melhor trabalho”, afirma ela, que também vem se debruçando em novos guias da França, Espanha e Itália. Para Lúcia Helena, os guias são essenciais para “saber por que e como se viaja.” Nas estantes de sua casa, o destaque vai para a extensa coleção de guias Michelin. “Para mim, os Michelins verdes são imbatíveis, já que trazem todas as indicações necessárias e muito completa.” Sempre de olho na próxima viagem, Lúcia Helena diz estar com tudo pesquisado para o novo destino: a Tunísia, para onde embarca, com um grupo de amigos, em outubro.

Ao inferno

“Escrevo sobre hotéis, restaurantes e cidades que nunca visitei. Escrevo sobre hotéis, restaurantes e cidades pelos quais me sinto culpado por nunca tê-los visitado. Escrevo sobre hotéis, restaurantes e cidades que nunca visitei e com os quais não me importo.” Depois de atuar como autor de guias para a gigante Lonely Planet – hoje a maior rede de guias do mundo, nascida na Austrália e comprada, há alguns anos, pela BBC –, o jornalista norte-americano Thomas Kohnstamm resolveu contar algumas verdades, como a escrita acima.

Em Autores de guias de viagem vão para o inferno? (publicado em 2010 no Brasil pela Panda Books) ele conta sua experiência, que começou justamente quando foi convidado pela editora para escrever um guia sobre o Brasil. Prazos apertados, dinheiro curto e uma filosofia de “se não der conta, arrumamos outro” foi o que ditou os anos (e alguns guias) que ele assinou para a Lonely Planet. Até resolver dar um basta e estremecer sua relação com a editora (que o ameaçou de processo, não concretizado). Hoje escreve sobre viagens e dá a dica: para viajar, é melhor consultar mais de uma fonte, e não somente guias, mas também pessoas que moram no lugar.

Guias digitais

Gatos escaldados bem sabem: a internet é uma fonte riquíssima de dicas de viagem. Mas todo o cuidado é pouco. Pipocam relatos de viagem em blogs e redes sociais que, mesmo trazendo impressões mais pessoais, nem sempre primam pela informação mais precisa. As grandes redes há muito apostam na internet como complemento para as informações dos guias de papel, que de maneira geral são atualizados a cada dois anos. Sites do Frommer’s, Lonely Planet e Fodor’s, por exemplo, trazem não somente as informações básicas de cada país, mas artigos que vão além das atrações turísticas (eventos imperdíveis no verão parisiense, passeio de um dia pela fronteira norte-coreana, por exemplo).

Com a explosão dos smartphones, todas contam com aplicativos que complementam o que está na rede e é o melhor companheiro durante a viagem (isso sem levar em conta que um gadget é bem mais leve de carregar do que um guia). A brasileira Bei, de porte muito menor do que as citadas acima (seus guias são sobre diferentes regiões do Brasil), também está investindo no meio digital. “Estamos na iminência de lançar aplicativos para Apple e Android, tanto para celular quanto tablet. Será um salto muito grande, pois várias questões vão mudar”, afirma o editor Tomas Alvim.

“Com o livro, você tinha que conciliar até mesmo um bloco de papel. Com os aplicativos, a preparação da viagem é ilimitada, pois há imagens, vídeos. Há ainda o uso funcional, com mapa e geolocation, postagem de comentários. E o pós-viagem, você pode reunir tudo o que coletou e dividir o guia de viagens”, explica ele. O aplicativo, para ele, não inviabiliza o livro. “Estamos numa fase de transição, muita gente compra os dois, mas não há dúvida de que vai chegar uma hora que o aplicativo será maior.” Paralelamente aos apps, a editora também está preparando sua base de dados na internet. “A plataforma digital acaba servindo como base de relacionamentos”, finaliza Alvim.

Os preferidos

MICHELIN
Os mais prestigiosos do mundo, têm as versões vermelho (com foco em hotéis e restaurantes) e verde (atrações e pontos turísticos). É mais conhecido pela famosa cotação de estrelas nos restaurantes, que variam de um a três. Editados anualmente, têm poucos títulos se comparados aos gigantes do meio. São encontrados, na maioria das vezes, em francês e inglês. No Brasil foi editada apenas uma versão do guia verde do Rio de Janeiro.

LONELY PLANET
Atualmente a maior rede de guias do mundo, pertence à BBC. Para os brasileiros, a oferta ainda é pequena, já que são 14 títulos (com a promessa de mais 12 até o fim do ano) contra os 500 títulos publicados em inglês. Bastante detalhados, oferecem boa gama de hotéis e restaurantes divididos por faixas de preço. E sempre trazem um olhar diferenciado para quem viaja sem muito dinheiro. No entanto, são pouco ilustrados.

GUIAS VISUAIS
Os mais conhecidos pelos brasileiros, são publicados no país desde 1995. Bastante pesados para levar na viagem, no entanto são adequados para quem adora explorar em detalhes as atrações de um museus ou as linhas arquitetônicas de um palácio (há versões de bolso, mais práticas). Tem 50 títulos publicados no país. Quanto ao serviço (horário de funcionamento das atrações e listagem de hotéis e restaurantes), deixam a desejar.

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